segunda-feira, 25 de junho de 2012

Elza (por Elineu Rosa Tomé)

Elza

(por Elineu Rosa Tomé)

Então Jesus declarou: “Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você.”
Naquele momento os discípulos voltaram e ficaram surpresos ao encontrá-lo
conversando com uma mulher...
Evangelho de João, capítulo 4, versos 26 e 27.




Elza

                  O dia acabava com um clarão vermelho por trás das casas do fim da rua.
Relativamente recente era a rua e mais recente ainda o seu asfalto. Casas simples de
modelos iguais, com cores variando entre azul claro e vários tons de verde. Algumas
construções ainda recebendo reformas, outras já precisando delas. Vindos do trabalho,
muitos chegavam de moto, ou a pé subiam da rua de baixo, do ponto final. Homens e
mulheres, estando os mais velhos na casa dos trinta. Todos cansados. Elza sempre
esperava o dia acabar e as pessoas chegarem. Seu marido em meio a todos tinha o
diferencial de chegar dentro de um Verona 91, já quitado havia dois meses. Ficando em
pé com o mais novo nos braços e o mais velho em algum lugar da vizinhança, Elza
construiu um sorriso, tirou o suor do rosto e encarou seu marido que entrava pelo
portão. Passando por ela como se Elza fosse parte da mureta da área, entrou pela sala,
exalando um forte cheiro de graxa. Perguntou pelo mais velho e pela janta, reclamou da
fome e do chefe. Bebeu água gelada direto na garrafa e foi para o banho.
                  O marido jantava tendo ao lado o mais velho que chegara há pouco. Sem fome, Elza deu de comer ao mais novo e foi sentar-se em frente a TV. Pouco depois viu o
mais velho sair de novo. “Para aonde será que ele vai?” – resmungou consigo. Nem
percebeu quando ganhou ao lado a companhia do marido que roncava. Depois da última
novela era hora de encontrar, de alguma maneira, o sono. Já era tarde para quem
acordava muito cedo e resolveu ir dormir depois de conferir que todos já estavam
deitados. Inclusive o mais velho. Parou em frente à janela da cozinha e de lá observou a
noite que descansava em seu quintal. Sentiu o ar frio que varava pelos vãos entre os
vidros da janela da cozinha. Aproximou o rosto até quase encostar-se a ela. Aproveitou
para abrir bem os olhos e sentir o ar assoprá-los. Era tão simples, mas tão seu. O vento
que vinha de seu quintal tornara-se um amigo confiável e silencioso.
                  O despertar era sempre às 5:30h. Fazia o café enquanto esperava o marido
voltar da padaria. O sono puxava sua cabeça para perto do calor da água que fervia. O
marido para o trabalho, o mais velho para a escola, o mais novo nos braços. Limpou a
casa, e foi fazer as compras do dia. No caminho da mercearia parou em frente a um
cartaz que prometia renda garantida para quem fizesse um curso com um nome
estranho. O mais novo dava-lhe tapinhas no rosto, gesto que a fez lembrar-se que seu
marido não gostava da ideia de colocar algum filho na creche. De onde ele vinha,
sempre dizia, era a mãe quem educava os filhos. “De onde ele vinha” era a explicação
para tudo na vida dele e agora passava a explicar a dela também. Resignou-se dizendo a si mesma que, de onde ela veio, não se reclamava da vida. Já tinha marido, filhos, casa,
roupa e comida, o que mais desejava? Lembrou-se da tia dizendo: “Felicidade é uma
coisa grande demais, Elza. Depois não tem onde guardar.”. Ponderou que sua tia, mãe
ou avó tiveram mais sofrimentos que ela. Com certeza sua vida era menos dolorida.

                    Talvez, mas... Com esforço calou-se por dentro. Sentia algo que não sabia nomear direito. Culpa? Mas culpa de que?
                    O sol estava forte como sempre, aquele calor aumentava o desconforto que
vinha de dentro e parecia transformar-se em suor. Não sabia direito o que sentia, mas
aquilo vazava. A rua era comprida, o mais novo e as sacolas pesavam mais que o
normal. Elza era bonita, chamava atenção na rua, mas nunca pensava nisso. Queria
chegar logo, ligar o ventilador, sair daquela luz que queimava. Beber água gelada com
gotas de limão que segunda sua tia, ajudavam a matar a sede. Foi o que fez ao chegar à
cozinha. Era hora do almoço e deu de comer ao mais novo. Ela mesma não almoçava
desde que seu marido começou a comer na fábrica. Precisava voltar a alimentar-se
direito, o marido já reclamara várias vezes que ela estava muito magra, nem tinha nem
onde pegar.
                    A noite não chegara, mas desabara sobre sua casa. Estava sendo assim
ultimamente, conforme o dia acabava e crescia a noite, aumentava seu desarranjo por
dentro. Como se sua alma tivesse levado um tombo e toda roxa, doesse em qualquer
posição. Sentia-se sozinha com uma sensação que a tomava, e parecia subir com a
temperatura. Quase conseguiu definir o que sentia. Olhou o marido dormindo. Lembrou-
se da janela que liberava o ar para invadir sua cozinha. Todos dormiam. Procurou o
socorro do vento, do amigo. Chegou o rosto bem perto, abriu os olhos devagar,
percorreu o quintal escuro e viu. Brilhava com um brilho diferente, apenas suficiente
para brilhar e nada mais. Silencioso como o vento, seu amigo. Mas era lindo aquele
anjo. Devia ser um anjo. Nunca tinha visto um antes, mas... Olhou-a nos olhos. Elza não
teve dúvidas, o anjo a olhou bem nos olhos e foi embora. O tempo parecia ter parado
em seu quintal e cozinha. Elza não sentia medo algum. Procurava apenas um alívio
naquela noite... Acabou encontrando esperança.

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